6. Assinala também que haveria demora injustificada na conclusão do processo criminal instaurado para
apurar a morte de Manoel Luiz da Silva, sem haver a inclusão do fazendeiro Alcides Vieira como mandante do
crime. Assim, alega existir violação do direito às garantias judiciais, dado que o caso possuiria grau de
complexidade limitada, uma vez que se trataria de homicídio cometido por acusados identificados através de
testemunhas oculares e que a demora injustificada e a não responsabilização dos culpados seriam resultado da
ineficiente condução do inquérito policial e do processo judicial, por falta de diligência e de imparcialidade das
autoridades responsáveis.
B. Estado
7. A CIDH não recebeu resposta do Estado brasileiro quanto às observações de mérito. Na etapa de
admissibilidade, o Estado brasileiro não apresentou alegações concretas de mérito, limitando-se a invocar a
exceção de falta de esgotamento dos recursos internos, a qual foi devidamente decidida pela CIDH em seu
relatório de admissibilidade.
III. DETERMINAÇÕES DE FATO
A. Contexto
8. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos já se pronunciou sobre a situação de violação sistemática
de direitos humanos e aumento da violência contra as lideranças dos movimentos pela reforma agrária e de
defensores de direitos humanos no Brasil, no Caso Camargo Filho, conforme excerto a seguir:
A situação agrária no Brasil tem se caracterizado nas últimas décadas por uma alta concentração da terra e uma
crescente mobilização de setores sociais que buscam melhor distribuição das propriedades agrárias. A pressão
social pela implementação de um processo de reforma agrária provocou reações violentas por parte de setores
latifundiários que, em alguns casos, contaram com a aquiescência e a conivência de funcionários locais 3.
Em seu relatório de 1997 sobre o Brasil, a CIDH salientou que “o Brasil possui um território extenso, com grande
capacidade produtiva e de assentamento social; contudo, por razões históricas, a distribuição da propriedade das
terras é extremadamente desequilibrada, gerando, em conseqüência, condições propícias para enfrentamentos
sociais e violações de direitos humanos”. A CIDH salientou também que “a situação agrária é ‘aguda’ e que existem
numerosos conflitos e ocupações em agosto de 1996, envolvendo 50.000 famílias de agricultores instalados em
acampamentos precários nas áreas invadidas e enfrentando problemas de saúde, trabalho e educação, e confrontos
com proprietários e forças policiais 4”.
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, no período de 1988 a 2000, 1.517 pessoas ligadas à luta pela reforma
agrária foram assassinadas. Nos 20 anos de ditadura militar (1964-1984) foram assassinados 42 trabalhadores
rurais por ano. Entre 1985 e 1989 essa cifra triplicou e chegou a 117 assassinatos por ano. De 1990 a 1993,
morreram 52 pessoas por ano. Entre 1994 e 1997 o número de mortes anuais chegou a 43 5. Em 1998, ano em que
ocorreu a morte de Sebastião Camargo Filho, 47 pessoas foram assassinadas em conflitos relacionados com a terra
no país, oito dos quais no Estado do Paraná.
De acordo com informações recebidas pela Comissão, tanto em sua sede quanto nas visitas in loco, a CIDH nota que
no Brasil, no momento em que ocorreram os fatos, a violência contra trabalhadores rurais que lutam pela
distribuição eqüitativa da terra é sistemática e generalizada. Em alguns estados há também profundas conexões
entre poderosos proprietários latifundiários e autoridades locais, alguns dos quais agem como mandantes dos
assassinatos e financiam as desocupações forçadas.
Cf. ONU, Comissão de Direitos Humanos, Relatório apresentado pelo Relator Especial sobre habitação adequada, como parte do direito a
um padrão de vida adequado, Miloon Kothari, Missão ao Brasil, Doc. E/CN.4/2005/48/Add.3; 18 de fevereiro de 2004, par. 37 e seguintes.
4 CIDH, Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, OEA/Ser.L/V/II.97, Doc. 29 rev.1, 29 de setembro de 1997, Capítulo VII:
A propriedade de terras rurais e os direitos humanos dos trabalhadores rurais.
5 Dados da Comissão Pastoral da Terra, citados por Bernardo Mancano Fernandes no artigo “Brasil: 500 anos de luta pela terra”, disponível
na página oficial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
http://www.incra.gov.br/_htm/serveinf/_htm/pubs/pubs.htm.
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